- E aí,
Madruga! Como é que tu estás, malandro?
- Tranquilo. Tudo bem Django?
Qual é a situação?
- Ô meu, tô voltando a sair. Um
amigo e eu vamos “dar uma banda” hoje na Cidade Baixa. Tô ligando pra te
convidar. Tá a fim?
- Pode ser, posso dormir na tua
casa pra ficar mais perto do meu serviço? Pois tenho que trabalhar cedo no dia
seguinte.
- Claro, “rapá”, nem esquenta. Vem
aqui em casa que saímos juntos daqui.
- Pode ser. Mas que horas?
- Chega aqui umas 23h.
- Certinho, eu te ligo quando
estiver chegando. Um abraço.
- Falou, Madruga!
- Falou, Django.
Após desligar o telefone, Django
foi até Johnny que estava almoçando em seu intervalo de serviço e comentou.
- Falei com um amigo meu, o
Madruga. Vai dar uma banda com a gente hoje na Cidade Baixa. O cara é gente
fina.
- Madruga? – Johnny riu. – Por
que ele se chama assim?
- É um apelido que ele ganhou no
segundo grau dos colegas. Ele é magrão e alto, então de certo acharam ele
parecido com o Seu Madruga do seriado do Chaves que passa na televisão. – ria Django.
- E mudando de assunto, como tá
o celular novo, Django? Já se adaptou com o retrocesso na tecnologia? – sorriu
ironicamente enquanto mastigava.
- Nem me fala, perdi os números
de telefones da maioria dos meus amigos e de todas as mulheres que eu andava
saindo, e principalmente o telefone da Samantha que eu conheci no “Oito e Meio”,
semana passada, lembra?
- Pior que é verdade! Bah, que
merda! – Johnny deu uma garfada na carne.
- O pior que eu prometi ligar
pra ela essa semana. Vai pensar que eu não to nem aí pra ela...foda! Não sei
por que eu fui inventar de sair pra Cidade Baixa de ônibus.
- Tu mesmo disse que depois
daquela vez que o carro te deixou na mão no meio da madrugada, tu só ia sair de
carro depois que trocasse a bateria. Fora estar completamente debilitado pra
dirigir na volta pra casa, achei que tu não iria chegar vivo. – riu debochando
ao levantar-se e imitar a cena em que Django empurrava o carro bêbado. - Mas também quem mandou ser
boca-aberta de perder o celular dentro do ônibus? – riu com a boca cheia de
comida tentando se conter pra não cuspir de volta pondo a mão na frente da boca
rapidamente.
- É foda. – suspirou Django olhando
pra baixo, como se procurasse algo.
- E ainda por cima foi uma saída
muito “bruxa” que a gente deu. Cidade Baixa semi-vazia, só gastamos, chegamos
tarde pra quem tinha esperança de ver movimento fora de época, e tu ainda perde
o telefone no ônibus. – balançou a cabeça negativamente Johnny. – Não era um
bom dia pra ir na “CB”. – bebeu um gole do seu suco artificial de groselha.
- Então me diz que dia seria
bom, cabeção? Se era Quinta-feira.
- Mas tu esqueceu que tá todo
mundo na praia?
-Puta que pariu, eu sei, mas nem
todo mundo foi. – Django sentou numa cadeira próxima de Johnny e acendeu um
cigarro e alcançou outro para Johnny que terminava sua refeição.
Ainda havia uma longa tarde para
se pensar na saída na noite que se aproximava, e Django estava inclinado a
empurrar o carro se fosse preciso novamente.
Johnny havia sido liberado mais
cedo, e portanto foi para o seu apartamento tomar um banho e aprontar-se para a
noite de festa com os amigos. Django aguardava pela “libertação” do emprego,
era 22h50 e o movimento no restaurante não diminuía para que ele tivesse
esperança de ser liberado.
***
Perdido em pensamentos e olhando para uma escuridão depois do calçadão onde
julgava estar vendo as marolas do rio Guaíba que o vento de forma atrevida empurrava
para a beira, Django ignorava inconscientemente um braço estendido na mesa 56.
Era a antepenúltima mesa que faltava para que o restaurante se esvaziasse por
completo, o que não garantiria o fechamento, mas seria uma tendência desejada.
Passava da meia-noite quando um assobio o chamou a atenção. Django
olhou pra trás, mais ou menos uns 5 metros, e viu o gerente o sinalizando para
que atendesse outro cliente com seu braço cansado e cara de poucos amigos. –
Perfeito! – esbravejou, Django desanimado.
Após atender o cliente cujo gerente havia indicado, Django foi
finalmente liberado.
- Que momento! – correu para o vestiário se trocar. Acendeu um cigarro
enquanto tirava os sapatos, e no mais rápido que pôde, saiu com a pressa de um
trem atrasado no horário.
Depois de degustar um banho, Django pegou o carro de seu pai e buscou
Madruga nas proximidades de sua casa onde era o lugar marcado. Meia hora depois,
respiravam o ar da Cidade Baixa.
Na Rua José do Patrocínio, esquina com a Av. Loureiro da silva (a
perimetral), Django estacionou o carro, enquanto ainda manobrava, e pressentiu
uma presença ao lado de sua porta, era um flanelinha.
- Bem cuidado, chefe! – tentando criar um ar de comprometimento o
flanelinha com sua calça surrada e suja, com uma bagana entre os dedos pretos
de sujeira incrustada, fez um sinal de positivo, Django por sua vez apenas
acenou com a cabeça positivamente, Madruga ainda disparou:
- Beleza, velho! – tentando passar empatia.
Madruga e Django se dirigiram para a lancheria Perimetral, lá estava
Johnny escorado num corrimão que cercava o bar, fumava um cigarro vagarosamente
como se estivesse vagando no passado, foi então quando avistou os amigos se
aproximarem.
- E aí, “infiliz”! Ficou te
amarrando pra vim? – riu Johnny sabendo obviamente o porquê do atraso.
- Claro, né imbecil! – Django cumprimentou Johnny com um aperto de
mãos. – Esse é o Madruga, meu amigo, esse é o Johnny, meu colega de trabalho. –
Madruga e Johnny se cumprimentaram. – E então, Johnny? Onde podemos ir hoje? –
os três começaram a caminhar.
- Vamos no La Bodeguita, quem sabe “rende”. Já que é pequeno, enche
fácil. – bateu a cinza do cigarro contra uma lixeira na calçada.
- Pode ser. Mas não sei se “era” entrar em algum lugar hoje. – titubeou
Django.
- Por mim pode ser, faz tempo que não entro lá. – disse Madruga. – Acho
que é uma boa. – Os três cortaram caminho pela Rua da República, passando em
frente do Bar Pinguim, olharam pela vidraça e nenhum grupo feminino se fazia
presente, ou que interessasse, dobraram à esquerda na Rua General Lima &
Silva e rumavam para o pub combinado.
- Vamos ver “qualé”! – Django tomou a frente iniciando uma conversa com
o cara da portaria. – E aí amigão, como tá a casa hoje? – cumprimentou num
aperto de mãos o porteiro.
- Cara, hoje tá fraco, em função do pessoal todo que tá na praia, a
cidade esvaziou, tem muita gente que foi pro Planeta Atlântida e viajou já uma
semana antecipada, mas se quiserem dar uma olhada, um de vocês entra e depois avaliem
se vale a pena pra vocês.
Django entrou e uns 3 minutos depois retornou com uma cara desanimada
fumando calmamente.
- É – suspirou Django - hoje não é o dia. Tem pouca gente, mas tem umas
gurias gatas lá dentro, apesar de poucas.
- Apesar disso temos que observar o detalhe que não temos muitas opções
numa época como essa. – adicionou Johnny.
- Tô em dúvida. – Madruga iniciou a hesitação.
- Não sei se vale à pena. – advertiu Johnny.
Django quis entrar temendo não encontrarem nada melhor naquela noite e
então investiu na tentativa de persuadir seus amigos.
- Haviam poucas gurias bonitas em se tratando de proporção de tantas mulheres
para tantos homens, mas as que tinham estavam todas sozinhas. – Django iniciou
um sorriso sarcástico – e a concorrência não “ameaça”.
Johnny tragava o cigarro quando ouviu a máxima de Django tossindo a
fumaça ao rir.
- Será que rola um desconto, amigão? - voltou os olhares ao porteiro - Nós três
somos garçons e saímos tarde por que é a hora que dá. – indagou Madruga tomando
a frente da negociação.
- Trabalham onde? – o rapaz perguntou curioso olhando para Madruga.
- Num Shopping novo na zona sul. – respondeu.
- Vocês dois também trabalham lá? – perguntou voltando os olhares para
Django e Johnny. Ambos para resumir a história e tentar o desconto responderam
que sim, ignorando a verdade.
- Gurizada, façamos o seguinte – disse o cara da portaria – eu sou um
dos donos do bar, vocês entram hoje que tá mais ou menos e eu libero a entrada
da próxima vez que vierem, vocês ficarão isentos, pode ser? – olhou sério para
os três. – Curtam uma “ceva” e relaxem pois o movimento nesse mês vai ser isso
mesmo. Podem me chamar quando vierem na outra vez, meu nome é Rafael, ou
perguntem por Rafa que não tem problema.
- Isentos então? – perguntou Madruga tentando reafirmar a proposta.
- Isentos! – confirmou Rafael balançando também a cabeça.
Os três entraram. A ideia de uma isenção numa festa futura chamou mais
atenção do trio do que pela entrada na noite que se desenrolava. Também foi
levado em conta, por Johnny e Madruga, o diagnóstico de Django sobre a
quantidade e qualidade das mulheres na festa, e isso era um adicional
considerável, já que segundo Django elas estavam sozinhas e “a concorrência não
seria um problema”.
- Confiem em mim, o “pai” de vocês sabe o que tá falando! – disse
confiante Django.
- Ah, cala a boca! – riu Johnny.
- Quero só ver isso, Django! – comentou Madruga.
- Eu sou “xarope na quebrada”! – começou a rir.
- “Xarope na quebrada”? Que droga é essa? – falou Madruga.
- Quer dizer que eu sou “O cara”! Vamos entrar de uma vez, não vão se
arrepender.
Até mesmo Django se arrependeu. E feio.
Para os três que não curtiam quase nada de pagode, foram duas horas de
inferno completo. E amargando o testemunho de que as mais bonitas da festa
estavam todas acompanhadas, a noite parecia cada vez mais longe de um bom final.
Como num passe mágica, ou melhor, numa espécie de maldição. Os namorados ou
acompanhantes surgiram de todos os cantos inimagináveis, sem citar as quatro
mais belas da festa eram namoradas dos músicos da banda que se apresentava. O
consolo foi beber algumas cervejas e aguardar o intervalo do show da banda,
pois certamente ao assumir o som, o DJ colocaria todos os estilos de músicas e
as abordagens seriam facilitadas sem serem exclusos da festa por não saberem
dançar pagode ao melhor estilo “dança de salão”. Mas até esse momento chegar,
era o Madruga olhando para os lados com as mãos nos bolsos e balançando a
cabeça e Django e Johnny com um copo de cerveja numa mão e um cigarro na outra,
cada um, como se estivessem numa dança sincronizada em uma piscina com milhares
de litros de arrependimento. O ápice do molejo e ginga dos aventureiros era o
pezinho direito tímido e ridículo virado pra lateral, parecia uma coreografia
de um grupo de dança que deveria se chamar “Os Derrotados”.
Ao saírem daquela festa onde o som ecoava por falta de pessoas
suficientes lá dentro, foi uma discussão irônica forte na calçada. Nunca Django
foi tão apontado por ser culpado por uma festa ruim. Bastava a ele rir com os demais.
- Da próxima vez vou eu olhar
o pub, tu não tem noção de nada “infiliz”! – ria Johnny acompanhado por Madruga
que ajudava na reclamação.
Resolveram perambular pela Lima e Silva, um mendigo abordou o trio
pedindo uns trocados, Johnny deu algumas moedas e eles seguiram depois do
agradecimento até que desviaram na Rua
Sarmento Leite, lá se
depararam com o pub Zelig.
- Agora entro eu – adiantou-se Johnny – se não já viu! Não é, Madruga?
Madruga riu.
- Tudo bem, eu entendi o recado, mas quero só ver no que vai dar. - Django
sorria.
Havia dois casais na frente da fila, após conversar com o segurança,
Johnny entrou, avaliou e retornou.
- Parece bom o lugar.
- Olha lá, hein? – falou Django.
- Vamos confiar no Johnny – disse Madruga – ruim duas vezes? Acho difícil.
- Mas adianto que como de praxe, há mais homens do que mulheres, embora
o número de mulheres bonitas sozinhas lá dentro seja razoável. – realçou Johnny
sorrindo dramaticamente.
O ambiente é bacana, pensou
Django. O pub era aconchegante, tocava samba rock, havia alguns pequenos grupos
dançando entre si em rodinhas, a decoração era um tanto rústica, entretanto bem
criativa de maneira caseira. Era um lugar pequeno, mas de certa forma com um
espaço razoavelmente bem aproveitado. Subiram ao segundo andar e beberam uma
cerveja, conversaram sobre a vida, estudos, planos, e o sempre presente, coração partido.
Madruga abanava a fumaça vinda dos cigarros de Johnny e Django.
- Era disso que eu precisava – quebrou o silêncio depois de um tempo em
que todos bebiam e analisavam o ambiente. – sair na noite, ver gente, rir com
os meus amigos. É bom sentir a vida ao meu redor. – Django olhava para um
infinito, estava longe demais para olhar os rostos dos amigos na mesa
concordando com o tipo de comentário. Tragou o cigarro pela última vez e apagou
no cinzeiro.
- Imagina eu, Django. Que antes disso saía menos e ainda por cima
sozinho e ficava pouco tempo pela rua sem conhecer muita gente aqui em Porto
Alegre. Preciso arranjar outro emprego. – desabafou Johnny.
- A minha vida não tá muito diferente – disse Madruga entrando no
assunto – fiquei um tempo desempregado e por isso não saio faz muito tempo. Mas
eu acredito num crescimento, algo melhor para nós está reservado, isso tudo é
uma espécie de provação que temos que passar. Para amadurecermos.
- Mas, ah! Madruga filósofo então? – riu Django.
- Deve ser a cerveja! – riu Johnny – proponho um brinde!
- Manda ver! – disse Madruga.
- Às festas, às amizades e ao nosso crescimento.
- E à vida social! – falou num tom mais alto Django. – Viva a Cidade
Baixa, cenário perfeito para nossas aventuras que estão por vir!
Normalmente nessa hora os copos
quase trincariam com a empolgação do momento, mas para copos de plásticos,
apenas alguns amassados e algumas gotas de cevada respingaram sobre a mesa.
A falta de ritmo na noite, o
cansaço e um pub com poucas mulheres se uniam ao horário tardio.
- Vamos nessa, gurizada? – disse
Django.
Johnny concordou, Madruga
também. Saíram do pub e caminharam até a perimetral. Lá conversaram ao redor do
carro de Django, este que decidiu comprar outra carteira de cigarros no posto
de gasolina. Os três atravessaram a avenida e entraram na loja de conveniência.
Django entrou na loja enquanto Madruga e Johnny decidiram aguardar do lado externo conversando. Um mendigo vindo do
outro lado da avenida se aproximou.
- E aí, amizade. – saudou a
dupla interrompendo a conversa, o mendigo.
- Olá. – educadamente respondeu
Johnny. Madruga apenas assentiu.
Enquanto o mendigo fazia sua
apresentação para a posterior mendicância, Django que esperava o troco do
cigarro e ainda escolhia um sabor dos chicletes que iria comprar, percebeu que
seus amigos conversavam com um morador de rua. Observava o homem mexer nos
cabelos desgrenhados com a mão encardida, e a outra mão segurando uma sacola de
pano suja escorada no ombro. Pisando sobre os chinelos gastos e desbotados com
um pé de cada cor e tipo diferente, o mendigo se movimentava numa boa postura e
parecia articulado nas palavras, afinal, Django percebia que um diálogo se
desenrolava entre os três.
Django se aproximou cautelosamente observando o que o mendigo trazia à
superfície daquela conversa, e não entendeu quando Johnny disse a frase,
“Claro! Em alguns países isso é uma iguaria!”. Django pensou em que raios de
assunto estavam falando. E o mendigo concordava com o argumento de Johnny
adicionando “Sim, malandro! Eu abro e limpo bem direitinho ele antes de
cozinhar.”
Foi quando Django não pôde
deixar de perceber um volume pendurado na cintura do mendigo. Com o próprio rabo
fazendo um nó na alça do cinto da calça do mendigo, estava lá, grande, é bom
salientar, um rato grande morto com cara de dor. Ao se despedir do trio com
algumas moedas ganhas, o rato batia na cintura do mendigo em seu passo
acelerado para atravessar a avenida como se fosse um cassetete de um policial
militar em uma perseguição.
- Cara, vocês são muito “arriados”.
– ria Django – Que nojo! E ainda por cima ficam dando dicas culinárias pro cara
comer aquela bosta!
Johnny fazia uma cara de náusea
– bah, cara, que nojo! – sorria lentamente – será que ele come mesmo aquilo? –
Madruga interpelou.
- O cara não tem escolha, certo
que ele come. É o que surge, às vezes pensamos que é impossível, mas nem sempre
ele deve conseguir dinheiro pra comer.
- Tipo uma lei da selva, da
sobrevivência. – completou Django.
- Que droga de vida – Johnny
baixou a cabeça sério.
- Enfim, gurizada. Mundo animal
à parte, vamos embora? – indagou Madruga sorrindo ironicamente.
Os
três rumaram para o carro, a noite parecia terminada depois de horas de
degustação da sensação nomeada “tédio”. Apesar de um acontecimento
indiscutivelmente peculiar, envolvendo o morador de rua, aquela noite se
inclinava a passar em branco como uma noite comum na Cidade Baixa.
Inclinava-se.
***
Poucos minutos desenrolaram-se na caminhada até o carro, todos haviam
voltado à embarcação do marasmo após os gracejos a respeito do episódio do
rato. Johnny parecia o mais abatido após o fóton de euforia tomado pelo grupo,
e parecia, agora sim, desejar muito sua cama. Perdia-se em pensamentos
profundos, relembrava sua cidade, sua família e, claro, sua ex-namorada. A
falta que ela fazia e como era vazia sua cama em todos os fins de noite longe
dela. Sair com os amigos sempre foi altamente necessário, e no final das contas,
suas amizades transformaram-se em sua família dentro de Porto Alegre,
principalmente em se tratando de Django, a quem Johnny via como um irmão mais
velho, conselheiro e que por trazer consigo experiências de vida semelhantes às
suas, sentia-se mais à vontade em conversar e dividir suas histórias e comentar
seus dilemas.
No presente momento, Johnny não queria sair pensando
em conhecer outra mulher, substituindo a pessoa quem ele não conseguia
esquecer. Embora, às vezes, sua consciência exigisse, seu coração criava contradições.
Para os demais, a temperatura da noite já havia despencado há muito.
Madruga buscava junto a Django uma forma de encerrarem a noite de forma melhor,
mas o clima de fim de noite já trazia uma espécie de sonolência psicológica a
todos, mas notavelmente em Johnny.
Django ao acomodar-se no banco do carro olhou para Madruga que colocava
o cinto no banco ao seu lado, Johnny que jogava o casaco que estava no banco de
trás mais para o lado para se sentar, olhou com descaso para frente ao perceber
que Django balbuciava algum discurso. Este então lançou:
- Que tal a avenida Farrapos? – foram 3 segundos de silêncio e olhos
arregalados dentro do carro, mas quase 2 minutos de gritos eufóricos enquanto o
carro se deslocava do estacionamento retornando às ruas. – Vamos dar uma olhada
nas gurias! – ria Django.
- Certo que sim, sou parceiraço – apoiou Madruga.
- Ao menos teremos um colírio para essa noite pouco proveitosa – fez um
contraponto Django.
- Ah, cara! Que tu quer com puta?
Nem grana a gente tem! – protelou Johnny.
- Quem sabe? – arremessou a pergunta no ar Django com um sorriso
malicioso.
Alguns minutos passaram. As luzes, a movimentação, belas mulheres com
suas roupas estrategicamente decotadas, e outras nem tanto. Sorrisos falsos e
cordialidades gratuitas. Mas com certeza nada além de sexo era esperado por
qualquer pessoa que atravessasse por aquela avenida conhecida por suas casas de
prostituição com as mais lindas mulheres selecionadas e com preços
exorbitantes, tanto para um programa como para entradas em estabelecimentos e
seus drinks superfaturados.
As possibilidades eram muitas, havia uma série de mulheres de
diferentes tipos para todos os gostos. Algumas boates com aspectos pouco
convidativos pelo desleixo e obscuridade da fachada, e outros com estruturas
intimidantes por seus ambientes altamente refinados desde o hall. Passaram por algumas garotas de
programa, especularam valores, algumas tentativas de bate-papo com as
profissionais, para “relembrar” o contato com o sexo oposto. E para o grupo de
amigos era confortável poder “flertar” com uma mulher sem a preocupação da
recusa, afinal de contas, apesar de o sexo continuar sendo o objetivo, a chave
mestra para qualquer hipótese de sucesso a se desenvolver naquela noite, era
apenas, sem rodeios, o dinheiro.
Depois de mais alguns minutos de excursão pelo itinerário do submundo
da sociedade, uma boate os chamou a atenção, era localizada numa esquina, e um
rapaz em frente ao night club os fez
sinal para que parassem. Nisso, Johnny que dormia desde que começaram a girar
de carro pelas ruas do bairro Floresta, acordou. Um tanto perdido e confuso
ouvindo a proposta do recepcionista do local junto à janela do lado de Madruga,
mas por obviedade, entendeu o contexto de forma breve.
- Quinze reais pra cada um mais um baldinho com 4 cervejas pra cada!
Sem contar as meninas, estão lindas esta noite. Vocês vão adorar!
- E aí, vamos entrar, galera? – ansiosamente disse Madruga.
- Parece bom. – disse Django um tanto animado – que acha Johnny? –
virou-se para o banco de trás.
- Cara, to a fim de ir embora, o que vocês querem? Nem temos grana. E
além de tudo, tô com sono. – Johnny ajeitava o cabelo e passava as mãos no
rosto para acordar melhor tentando espantar a sonolência.
- Ah, vamos lá, Johnny! Pra salvar a noite, só umas cevas pra distrair
um pouco com boa companhia. – interpelou Madruga.
Neste exato instante uma morena espetacular surge na porta com míni
saia e um decote de causar inveja a qualquer atriz de filme pornô. Foi quando
Django pensou alto para os amigos.
- Por mim eu entro – Django havia dado seu voto indireto a favor hipnotizado,
e sem tirar o olhar da calçada continuou – tá a fim, Johnny?
- Já que pareço ser voto vencido... – Johnny se ajeitou no banco onde
antes estava jogado. E descobriu que o vidro de sua janela estava fechado
quando bateu de testa ao tentar dar um zoom
na morena que estava na porta da boate.
Django de olhos arregalados chacoalhou a cabeça para sair do transe
induzido e retomou a negociação.
- Amigão, será que por um descontinho conseguimos entrar aí? Acabamos
de voltar da noite na Cidade Baixa, gastamos um bocado, sabe como é?
O rapaz da portaria deu uma olhada ao redor, pensou brevemente e devolveu.
- Ok. Então 3 cervejas num baldinho pra cada por dez reais. Certo?
- Onde fica o estacionamento? – assentiu Django.
- O Sr. Pode converter à direita nessa próxima esquina, temos um
estacionamento conveniado com a casa.
- Perfeito. – Django olhou para frente, retornou o olhar e complementou
– obrigado pela atenção, amigão. Já viremos.
- Valeu, velho! Deixa que “é nóis”, vamos entrar certo. –
dispensavelmente Madruga agregou seu agradecimento numa tentativa de criar uma
espécie de empatia com o recepcionista, este olhou estranho para Madruga
diminuindo o sorriso, mas mantendo o tom de amarelo enquanto Johnny dava um
tapa em sua própria face de vergonha pela falta de tato do amigo.
O carro arrancou e dirigiu-se para o estacionamento, no caminho Django
não pôde deixar de salientar como forma de deboche.
- Pois é gurizada, virei até “Senhor” – todos riram. O carro mal havia
adentrado no estacionamento e um homem aproximou-se.
- Boa noite, pessoal! Uma vaguinha pra vocês? – sorriu o porteiro.
- Sim, por favor. Quanto custa? – indagou Django.
- Dez reais, mas se consumir na casa fica pela metade.
- Sem problema.
O carro foi estacionado e logo estavam chegando a frente à boate. Ao
pararem na porta, o recepcionista surge com as comandas.
- Nomes?
- Johnny. – respondeu o próprio sendo o primeiro da fila a qual
formaram. Nisso, Madruga o segundo da fila, olhou pra trás e em tom baixo disse
para Django.
- O meu, tu pode pagar a entrada pra mim? Tô sem grana. – riu amarelo.
- Como assim? – indagou Django, com uma cara nada boa. – Nem te faz de
louco, que dez reais ao menos eu sei que tu tem!
- Da grana que tenho aqui só posso gastar quatro reais, tenho que ir
trabalhar amanhã.
- É um fudido! Dá esses quatro reais pra cá que eu completo.
Madruga deu seu nome para a anotação da comanda enquanto ria
descaradamente para Django, este que queria matá-lo, pois Madruga desde o
começo estava instigando a rumarem para a Farrapos e depois a entrarem na
boate. E agora em toda plenitude de sua cara de pau informava a sua falta de
dinheiro para entrar pedindo um empréstimo de última hora.
Os três entraram, o ambiente estava vazio, e embora, ao entrarem, a
recepção houvesse sido calorosa pela morena vista antes do carro, era a única.
Automaticamente ao adentrarem, Django rumou para o banheiro pensando nas frases
da morena que havia mencionado chamar por duas outras amigas para que se
completassem os casais. Temia pelo que poderia surgir e o que sobraria por
chegar depois que os amigos houvessem selecionado.
Como por golpe de sorte, mesmo as duas mulheres recém chegadas serem de
alguns níveis abaixo da morena, esta que fez primeiramente as honras, aguardou
Django de pé para sua sorte, enquanto que seus amigos já possuíam suas
respectivas anfitriãs em seus colos, as belezas se diferenciavam em ordem decrescente
terminando na garota que sentou no colo de Madruga. Django sentiu-se aliviado e
privilegiado ao juntar-se aos amigos percebendo a espera da morena mais
intrigante, por sua companhia.
As tratativas iniciaram, perguntas corriqueiras, curiosidades e
especulações foram realizadas, as risadas degustadas por todos eram sensações
reprimidas por alguns meses em cada um dos três amigos. Enquanto riam, todos
relembravam outras noites divertidas ou diferentemente proveitosas em outros
tempos, lugares e companhias. Lembravam também a falta de tempo para que
pudessem se divertir com mais assiduidade, e como gostariam de fazer isso mais
vezes, desfrutando a companhia dos amigos sempre que o final do dia árduo de
trabalho exigia um pouco de descanso. Não necessariamente descansar o corpo,
mas descansar e relaxar a alma, a mente. Tentavam recordar também das últimas
vezes em que haviam se sentido tão descontraídos a ponto de se despreocuparem
com o dia seguinte.
A primeira garota que conheceram desde a entrada denominava-se como
Marcelli. A segunda que se encontrava ao lado de Johnny chamava-se Pâmela, e
por fim a última no colo de Madruga atendia por Verônica.
Django costumava ser direto, mas não naquela noite.
- Então, Marcelli. Trabalha na casa há quanto tempo? – Django trazia no
seu semblante a calmaria de um lutador experiente, e sabia que um bom diálogo
fazia parte da dança.
- Ai, meu moreno. – Marcelli levantou-se num movimento completamente
lascivo e sentou no colo de Django com um sorriso puramente hereditário dos
deuses gregos – Há uns 4 meses. A gente que trabalha na noite está sempre em
rotação. – sorriu Marcelli.
- E dentre os mais recentes, gostou mais daqui? – Django bebeu
calmamente sua cerveja que acabara de ser servida pela própria garota de
programa.
- Claro, aqui os rapazes que aparecem são mais interessantes, assim
como morenos lindos como você. – piscou a garota.
Django gostava do flerte, e para ser mais exato, era um grande
apreciador e tratava esse tipo de situação como uma arte do ser humano. O
júbilo do flerte. E algumas vezes, recordava conversas com amigos que
compartilhavam histórias e experiências de conquistas amorosas. Lembrou por
frações de segundos de boas conversas em bares regadas a cervejas com Eduardo e
Henrique, amigos estes que, há algum tempo não via. E desfrutar desses momentos
mesmo que fosse de forma superficial, continuava sendo bom.
- Lindinho, que acha de me pagar uma dose de drink? – lançou Marcelli.
- Uma dose? – indagou Django. – Por que eu deveria?
- Pague uma dose e eu faço um showzinho pra você. – essa frase
proferida teve como desfecho uma fungada irresistível no pescoço de Django.
- Showzinho? E como funciona isso?
- Paga pra mim e tu não vai te arrepender. Tu vai adorar.
Era inerente de Marcelli, persuadir um homem com toda a beleza e a malícia
que Deus lhe dera e o diabo lhe potencializava, era como uma brincadeira para
ela. Mas um detalhe prometia tornar o jogo mais interessante, pois Django
também carregava um talento: o de não ser persuadido com facilidade.
- Quanto custa? – perguntou Django por curiosidade.
- Uma dose, meu anjo, custa R$ 48,00 mais 10% do garçom. – nisso,
Marcelli chamou o garçom fazendo um sinal que mais parecia ser um código
secreto. Django notou isso. – Minha querida, tu quer dizer que essa brincadeira
de “mau gosto” custa R$ 52,00! – Django riu educadamente.
- E aí, amigão. Vai pagar uma dose para a menina? – perguntou mostrando-se
um tanto amigável o garçom enquanto colocava uma taça na mesa, e em sua outra
mão a garrafa do engenhoso líquido sendo posta na boca do copo e quase
despejando o drink.
- “Pera” aí, amigo. Dá uma segurada. Por enquanto não. – de forma
simpática Django descartava.
- Não vai pagar uma dosezinha pra Marcelli? Faz um agrado pra menina. –
instigava o garçom tentando tornar a situação de certa forma indelicada e
constrangedora para que Django aceitasse. Mas ele não conhecia a cara-de-pau do
cliente que ali estava sentado. Django não se intimidou nem por meio segundo.
- Paga uma dosezinha pra mim, lindinho. Eu faço um showzinho bem gostoso
pra ti. – tentou a garota.
- Daqui um tempinho se eu achar que devo te chamo. Obrigado. –
descartou de vez, Django.
O garçom não fez uma cara de bom amigo e se retirou.
- Meu amor, não vai me pagar então?
- Calma, querida. Se tu fizer por merecer, eu pago, mas calma que é
cedo. Gosto das coisas com calma, sem pressão. Me deixa à vontade que as coisas
vão acontecendo, ok? – a morena sorriu e continuou o cortejo.
Django, por obviedade, tratava de si. Mas notou o mesmo tipo de conversa
com seus amigos que estavam todos ao redor, mas nem tanto. Madruga de forma
tímida conversava com a sua acompanhante Verônica sobre algo que ele não pôde
identificar por seu amigo estar do lado oposto do seu, já que os três casais
estavam sentados todos em linha num grande banco estofado com uma mesa para
cada. Provavelmente Madruga mentia e contava vantagens, era do seu feitio,
Django conhecia o estilo do amigo.
Mas para ele, era mais notável e preocupante a forma como Johnny era
envolvido por Pâmela. Como se fosse uma criança deslumbrada com um show de
fantoches no teatro infantil. Ria à toa, e tinha um brilho no olhar do amigo
que geralmente surgia quando estava notavelmente embriagado ou nos seus
momentos de carência quando lamentava seu último relacionamento frustrado. E
isso sim, era altamente preocupante.
- Tu não vai pagar uma dose pra mim? Teu amigo vai pagar uma pra Pâmela! – disse a acompanhante de django.
- Tu vai pagar uma dose, Johnny? – Perguntou Django virando-se para o
amigo.
- Claro, meu! Paga pra Marcelli também.
- Paga pra minha amiga também. – disse Pâmela
- É, ele vai pagar. Paga pra mim. – a acompanhante insistia.
O garçom se aproximou com a garrafa que parecia conter iogurte (e
provavelmente seria, pois fazia parte da pilantragem), trazia colada nela, um
adesivo de régua, que por obviedade media cada dose. O garçom se preparava para
servir.
A pressão começou a ficar constrangedora, foi quando Django deu um
puxão em Johnny e disparou.
- Cara tu sabe quanto custa essa porcaria de dose? – esbravejava aos
sussurros Django.
- Não sei, mas deve ser uns oito reais, imagino. – disse Johnny
inocente
- Animal! São quarenta e oito reais e mais dez por cento do garçom! Ou
seja, são CINQUENTA E DOIS REAIS por um centímetro de iogurte fajuto que elas
dizem ser um drink!
- Cinquenta e dois reais! Mas eu não tenho esse dinhei... - Nesse
momento o garçom acabara de colocar a bebida no copo. Johnny incrédulo e
apavorado olhou “arregaladamente” para o copo quando a garota de programa pegou
vagarosamente. – Espera aí, quanto custa a dose, mesmo? – perguntou em vão de
novo para o garçom que ali estava, numa tentativa frustrada de parar tudo. No
entanto, num movimento muito rápido, a acompanhante bebeu tudo em um único
gole. Para desespero de Johnny e principalmente de Django.
- Espera! – Johnny apenas observou o copo sendo devolvido vazio à mesa.
- Django, eu não tenho dinheiro!
- Nem eu, por que tu acha que eu não paguei? Vê se o Madruga tem
dinheiro. Pede pra ele.
Enquanto trocavam idéias, as garotas se olharam e sussurraram
discretamente entre elas.
- Madruga! ... – antes que conseguisse falar, Madruga o interrompeu.
- Johnny, tu tem dinheiro pra me emprestar pra eu pagar uma dose pra
Verônica? – disse Madruga num tom diplomático. A cara de Johnny despencava
nesse momento.
Ahahahahahahaha! – Django disparava gargalhadas feito metralhadora com mal de Parkinson.
Ao receberem a informação, as meninas da casa beberam, se levantaram e
de pé mesmo, já assistiam os três falidos dando explicações para o garçom. Django
se preocupava com a porta, afinal, o segurança (que não era pequeno e muito
menos médio) já olhava da portaria com cara de poucos amigos, ou de nenhum. É,
não seria uma despedida positivamente memorável daquela noite.
O ato desesperado de contabilizar moedas entre os três deixou uma marca
constrangedora em todos. As mulheres debandaram, e com elas a moral do trio. Já
a contagem final dos trocados alcançando o valor necessário para pagar, trouxe
o constrangedor alívio e o cessar dos goles secos de todos, especialmente o de
Django.
No local nada mais restava além de duas ou três latinhas no baldinho
que certamente não seriam mais consumidas ali. Saíram com os seus semblantes
avessos aos da chegada. No estacionamento pra piorar, o carro outra vez não
pegou. Empurraram pra fazer pegar no tranco e num silêncio que dizia mais do
que milhões de palavras, quando finalmente sumiram do horizonte da boate
começou o discurso de Django.
- Vocês são muito boca-abertas! – esbravejava e ria ao mesmo tempo,
Django. – como tu chegou a pensar que ia ser tão barato uma dose, Jhonny?
- Bah, jurei que era bem menos caro! – ria Johnny com Madruga. – E
ainda fui pedir ajuda pro Madruga que tava mais falido que eu.
A risada contaminou o carro. Depois de alguns instantes Django indagou.
- Gurizada, como vocês resumiriam essa noite quase cem por cento
desastrosa?
- Engraçada. Rolou esse pavor com essa situação da boate. – disse
Madruga.
- Bah, nem acredito que não apanhamos. E ainda teve a bizarrice do
mendigo com um rato morto pendurado na cintura. – completou Johnny.
- Eu chamaria a noite de hoje de “Ratos e pirulitos” – disse Django. –
Primeiro por causa do rato do mendigo, óbvio... – e por que o pirulito? – perguntaram
Madruga e Johnny.
- Pelas caras de pirulito que vocês dois boca-abertas fizeram quando
descobriram o preço da dose das putas, hahaha! – riram todos. – Sabem o desenho
animado do Pica-pau que às vezes apareciam uns personagens sendo feitos de
bobos e aparecia no lugar das cabeças uns pirulitões gigantes com um papelzinho
escrito “Sucker”? Era a imagem de vocês. – a risada aumentou de volume.
- Risadas à parte, enquanto tivermos sorte, novas histórias teremos
pela frente. – disse Johnny.
- Ou pelo menos enquanto todos carregarem moedas nos bolsos! –
completou Madruga. – todos riram.
Infelizmente para os três, o carro não era movido a bom-humor, no
entanto, a tripulação sim.

