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segunda-feira, 4 de maio de 2009

EPISÓDIO II – Sob as Unhas do Caçador


Tanto Johnny quanto Django, saídos de relacionamentos frustrados, planejavam se divertir em festas, beber um pouco, ao passo que conhecessem outras mulheres, tendo assim algum lance, um flerte, além de descontração para esquecer um pouco o desgaste diário do trabalho.

Além do mais, uma mesa de bar nunca deixou de ser um grande oráculo de mentes perdidas e corações desesperançosos.

No meio da tarde do Sábado que prometia ser de grande empenho pelo grande movimento no restaurante, Django começou a sentir dores inquietantes, que dificultava até mesmo sua capacidade de manter-se de pé; foi levado direto para o Hospital Pronto Socorro para uma bateria de exames, e como era de se esperar da saúde pública, mais de uma hora para ser atendido e mais três horas para receber o resultado dos exames que apenas poderia ser entregue no mesmo dia, o que obrigaria qualquer criatura que morasse longe do HPS, no caso Django por morar na zona sul, a "mofar" no banco de espera do hospital para não ter que voltar e nem ter jogado esse "tempo perdido" no lixo. Afinal, como não poderia deixar de ser inteligente a saúde pública, por que haveria consideração com enfermos para que se deixasse disponível os resultados para o dia seguinte?

Mesmo assim Django foi pra casa dispensado do serviço naquele dia. Claro que antes de fazer os exames suas dores já haviam cessado, mas isso o pessoal do trabalho não precisava saber.

Por muito tempo Django não sabia mais o que era sair em finais de semana e se divertir reencontrando amigos e tudo que a vida social permite, mas o mais importante, ao ser dispensado do serviço para voltar a sua casa e repousar, ele lembrou de um detalhe crucial...era Sábado.

Johnny ouviu seu celular tocar do bolso e atendeu:

- E aí, meu. Tá vivo, seu chorão? - Johnny deu gargalhadas.

- É um trouxa! - riu também, Django. - Mas tô melhor sim. Enfim, sejamos objetivos...se tu conseguir a alforria ainda hoje, me liga. - riu de novo.

- Pode crê! O movimento deu uma baixada, talvez seja possível, eu vou ter que abrir o restaurante amanhã, acho que vão me liberar mais cedo, ou melhor, menos tarde.

- Até mais!

- Falou.

Johnny desligou o celular e guardou no bolso.

Era 1h da manhã quando Johnny ligou para Django:

- Pode passar por aqui.

- Tá, mas me espera na rua de trás, seu imbecil, se não o gerente me vê.

- Claro, claro! - Johnny desligou o telefone.

Django avisou ao seu pai que pegaria o carro para ir buscar os exames. Buscou o Johnny no caminho e seguiram rumo ao centro. Estacionando de fato próximo ao Hospital, Django pediu pra Johnny aguardar e saiu. Dez minutos decorridos e Django voltava rindo olhando para o exame.

Johnny tragou seu cigarro e perguntou o motivo da risada.

- Não tenho nada, serviu só pra eu ganhar folga! - ambos riam. - Vamos à festa! - Django bateu a chave na ignição e o carro não dava o menor sinal de vida, foram uns dez minutos empurrando pra tentar pegar no tranco, abrindo a tampa do motor, fuçando no cabeamento, limpando velas, empurrando o carro de novo até que finalmente pegou.

Johnny ria.

- Vamos chegar na festa todos suados, que droga, e as minhas roupas estão no apartamento da minha irmã, eu teria que ir lá escolher uma roupa, voltar pro meu apartamento, tomar banho e depois irmos.

- Não! Vamos demorar muito, aí a festa já acabou. Vai com a roupa do corpo! - falou Django.

- Bem capaz! Vou vestido de garçom?

- Que garçom que nada! Só tá com sapato e calça social, todo mundo usa isso.

- Claro que sim, Django! Combinando com camiseta? – ironizou.

- Mas o que tem uma camiseta demais, até que não fica ruim com calça e sapato, e tudo em preto. Só por que está escrito na camiseta... - Django fixa os olhos na estampa pra ler o que estava escrito - deixa-me ver... "4º motoshow" - Django caiu em risos. – uma mistura de vergonha com vontade de rir do deboche era a tradução exata da expressão que se desenhava no rosto de Johnny.

- Olha aí! Já está me debochando, trouxa!

- Tô brincando! - Django tentava conter o riso ao acender o cigarro. - Vai assim mesmo, falando sério, se não perderemos tempo.

Johnny sob protesto concordou.

Havia poucas vagas na Av. Aureliano, mas, além disso, a dupla torcia por uma vaga que além de disponível, não houvesse como ninguém estacionar na frente ou atrás, até por que não dava pra confiar na ignição. Mas sem demoras, a vaga foi encontrada.

Entraram na fila da casa noturna e Django encontrou uma vizinha, mas infelizmente estava acompanhada, dentro desta condição não perdeu mais do que um minuto de cumprimento e papo vago, a noite era pra conquistas, e não pra troca de figurinhas com alguém que se poderia ver na rua diariamente.

A festa pegava fogo, muita gente animada, gente bonita e a sensação de estar de volta à vida social justamente num Sábado era inexplicável para ambos. Para Johnny era bom estar se divertindo e esquecendo os problemas e estresses da vida, sem contar o fato de não conhecer muita gente em Porto Alegre; para Django sair num Sábado era ótimo, principalmente com dinheiro, pois estava desempregado por muito tempo antes de ir trabalhar no restaurante, o que obviamente o limitava na escolha do lazer.

Era uma espécie de “Operação Cinderela", tentando se divertir o máximo naquela noite, às 5h da manhã Django teria de devolver o carro pra que se pai fosse trabalhar e creditar em futuros empréstimos do automóvel; e Johnny às 10h da manhã  teria que abrir o restaurante conforme a escala.

Cerveja, mulheres atraentes, muitas risadas. Era disso que precisavam. Em seguida os dois encontraram Marquito, grande amigo de Django, que apresentou o amigo ao Johnny.

Enquanto tocava a música Saturday Night, um dance de autoria do “The Underdog Project”, os três dançavam e se divertiam quando uma bela morena jambo mirou Marquito nos olhos.

- Olha aquela morena! – Marquito cochichou para os amigos. – vou dar um tempo e vou lá falar com ela.

- Por que não vai agora, tá todinha por ti! – disse Django instigando o amigo.

- Quem sabe eu acho alguma outra melhor - ria – se não rolar nada vou nela.

Johnny apenas ria. Mal havia passado 15 minutos e Marquito tirou a garota para dançar quando um samba-rock começou a tocar na voz de Seu Jorge.

Naquele momento o trio "sofria uma baixa". Voltando à "formação original" do início da festa, Django e Johnny dançavam, riam, conversavam, bebiam (muito) e fumavam (mais ainda). Django encontrou uma amiga que trabalhava na danceteria, mas não pôde falar muito com ela, ao contrário do que gostaria.

- Oi, Lilica!

- Oi, Django! Resolveu aparecer?

- Digamos que sim! Fazia tempo que queria conhecer esta casa noturna e é claro... te ver. Mas vou te deixar trabalhar.

Pois é, tá muito corrido – Lilica riu. Abraçou e beijou Django no rosto. Em seguida seguiu servindo bebidas na copa em que estava.

Django suspirou ironicamente olhando para Johnny fazendo menção à beleza da amiga.

- Cara, é muito bom estar de volta na noite – Django tomou um gole de cerveja olhando uma loira passar, depois para Lilica, e então olhou novamente para Johnny, e sua expressão concordava com o que acabara de comentar.

- Nem me fala – disse Johnny olhando ao seu redor como se procurasse algo.

Ao passo que o estilo música rave dominava o som da festa, um grupo de garotas dançava muito animado. Eram três morenas claras. A mais alta interessou Django, e uma com um piercing na sobrancelha chamou a atenção de Marquito.

Era 4 horas da manhã, o carro de Django estava para transformar-se em “abóbora”, alguma “vítima” deveria ser encontrada pelos rapazes. Ambos estavam mirando as garotas. Mas parecia que nada “brilhava”. Em seguida Marquito retornou, e Django não perdeu a oportunidade do deboche:

- Casou na festa? Que guri! Se apaixonou! – ria Django.

- Vai te fudê, meu! – ria Marquito – disse que ia dar uma banda e larguei de mão, mas claro que peguei o telefone dela.

- Fez bem – observou Johnny sorrindo.

Enquanto todos conversavam, um cara esbarrou em Johnny, quase derrubando a cerveja sobre ele, ao se afastar do cara, Marquito viu ao fundo no segundo plano, a garota de piercing novamente, e por ela estar mais próxima neste momento, Marquito reconheceu...era sua amiga.

Marquito olhou, acenou e foi até ela. – Licença gurizada, já venho de volta.

- E aí, guria como está?

- Tô bem! Curtindo com as amigas aqui.

No mesmo instante Django encontrou uma brecha para a oportunidade, caminhou pra perto de Marquito e sua amiga e na maior cara-de-pau se enfiou na conversa:

- Bah, Marquito, não apresenta as amigas? – deu um sorriso, Marquito os apresentou e Django já indagou na sequência.

- Diga-me uma coisa. Aquela morena alta é tua amiga, né?

- Qual? - a amiga de Marquito olhou para a direção que Django se referia e confirmou com um sorriso entre as suas respostas.

- Pode me apresentar a ela?

- Claro!

Django pensava consigo mesmo “nunca foi tão fácil”.

- Vem comigo que eu te apresento agora. Marquito eu já volto – disse sua amiga.

Com a adrenalina subindo um pouco os cumprimentos foram feitos após as apresentações.

- Este é Django, amigo do meu amigo Marquito que encontrei aqui na festa. E esta é minha amiga Samantha. – três beijos para se cumprimentarem, olhares observadores e um início de conversa desconfiado mas interessado em todas as entrelinhas.

A amiga de Samantha deixou-os e voltou para conversar com Marquito. Johnny havia saído para buscar mais cerveja.

- Então. Mora onde? – Django estava meio apreensivo, se sentia “enferrujado”, pois há anos não sabia o que era ser solteiro.

- No bairro Tristeza.

- Desculpe, não ouvi direito. Onde você mora mesmo? – inclinou sua cabeça para mais próximo dos lábios de Samantha.

- Tristeza! – disse mais alto.

- Ah sim. Que legal. Perto do meu bairro, eu moro em Ipanema.

A conversa se desenrolava fácil, Samantha sorria, abraçava Django e este por inúmeras vezes arriscava um beijo roubado sempre mal sucedido. Ela sorria com a malícia de uma mulher difícil, mas que esperava pela persistência do pretendente, provando assim o real desejo de conquistá-la. Django conseguiu.

No intervalo de alguns beijos, Django dispersava e voltava à roda dos amigos para beber uma cerveja e conversar um pouco.

- Bah, Django! Tu é um baita “fura-olho”! Johnny ria.

- Eu, por quê? Vai dizer que tu tava de olho na Samantha?

- Pior que tava, haha. Mas não esquenta, tava mais pra ti do que pra mim.

Django riu. Marquito olhou o relógio, bebeu o restante da cerveja de seu copo e anunciou sua partida.

- Pois é, gurizada. Tenho que ir.

Já vai indo? Vai me deixar segurar vela sozinho pro Django, haha. – disse Johnny no bom humor.

Django riu. Cumprimentou Marquito depois de Johnny.

Em seguida Johnny disse que teria que ir também por ter que acordar cedo para abrir o restaurante no dia seguinte. Django foi até Samantha para se despedir.

- Me dá o teu telefone?

- Claro. – disse Samantha. Django pegou seu telefone e copiou o número na agenda do celular. – Mas tu vai me ligar mesmo?

- Claro, a gente combina algo na semana, ok? – disse Django dando um beijo na boca de Samantha e depois na mão. Ela também pegou a mão de Django e deu um beijo como uma brincadeira. E notou uma sujeira preta em baixo das unhas de Django.

- Que é isso?

- Isso o quê?

- Isso em baixo das suas unhas?

“Maldito carro” pensou Django. – Problemas no carro. – respondeu Django constrangido, e assim saiu com a vontade de enterrar a cabeça na terra feito uma avestruz.

Johnny e Django saíram da festa, riam muito do ocorrido com Django na despedida com Samantha. Já na calçada Johnny sugeriu uma espécie de saidera:

- Que tu acha da gente “fumar um”?

- Quê? – perguntou Django.

- “Fumar um”, “fazer a cabeça”, “fumar um Jack Johnson”. – Johnny dava risada.

- Tá te referindo a uma Cannabis? Seu drogado do inferno! – Django debochou.

- Sim. Isso seu imbecil!

- Pode ser. Só pra dar uma variada na vida certinha que ando vivendo.

No apartamento de Johnny a filosofia mundial voava junto com a fumaça pelas paredes e teto, foi quando Django percebeu o horário tardio e que deveria devolver o carro antes que seu pai se acordasse.

- Tenho que ir, Johnny.

- Dá um tempo, recém acendemos.

- Recém? Faz mais de 20 minutos, haha. – caminhava de forma tonta até a porta como se fosse um sapo bêbado.

No outro lado da avenida estava o carro. Foram mais alguns minutos de empurra até que o carro pegou no tranco.

- Tem condições de dirigir, meu?

- Não se preocupa Johnny, vou bem na manha.

- Se cuida Django!

- Falou, um abraço.

Parecia tudo bem. Ter voltado a sair, rever amigos, ter conhecido uma bela mulher na noite, apesar de alguns contratempos como o carro e a vergonha por causa da graxa nos dedos. Mas nada poderia estragar a noite que resgatou a espírito boêmio de Django que há alguns anos havia se apagado.

Na verdade, algo poderia.

O carro apagou na metade do caminho. Django sozinho, cansado, com sono, semi-bêbado e chapado, próximo de uma vila “boca-braba” em plena madrugada... não parecia nada positivo. Tentou empurrar por alguns longos minutos, mas não obtinha sucesso, principalmente por empurrar o carro com o freio de mão puxado. Depois de lembrar deste “pequeno detalhe”, conseguiu empurrar para uma rua aparentemente segura em frente a um posto de gasolina, estacionou o carro e trancou todas as portas.

Teve que pegar uma lotação e depois um ônibus pra voltar pra casa.

Diante de uma noite divertida, levar uma “mijada” do pai de manhã não seria a melhor forma de acabar a noite, e longe de um desfecho razoável. Mas nem sempre a vida reserva opções favoráveis.

“Da próxima vez eu vou de ônibus” pensou Django olhando o carro pela janela da lotação tentando tirar a graxa da unha com a chave do carro.

EPISÓDIO I - Ainda na Parte Alta


Johnny e Django se conheceram no restaurante onde ambos trabalhavam, criaram uma afinidade por terem pensamentos semelhantes sobre variados assuntos e por serem os únicos universitários que trabalhavam ali. Para pagar os estudos, trabalhavam como garçons, e apesar de serem colegas, levaram alguns meses para firmarem uma cumplicidade.

Era pleno janeiro quando cansados por trabalharem numa carga horária desgastante que variava entre 12h às 15h diárias, decidiram sair na noite de Porto Alegre e distrair um pouco a cabeça para esquecer o estresse diário. E embora o salário fosse bem acima do salário mínimo, não compensava, a julgar pelo fato que se dedicavam quase que totalmente para o emprego, prejudicando inclusive os estudos e a vida social em geral, pouco lazer. Era folga uma vez por semana, porém, nunca nas Sextas, Sábados e Domingos. E pra quem gosta de sair sabe que o ideal seria uma folga em fim de semana, afinal, sair para festas em dias de semana não teria a mesma intensidade e muito menos as mesmas opções de diversão, sem contar que a maioria dos amigos que tinham empregos "normais" não poderiam sair com a mesma frequência em dias de semana devido ao óbvio.

 Django dizia invariavelmente para Johnny no emprego:

- Cara, eu queria trabalhar pra viver, mas não viver pra trabalhar. Comprei alguns filmes e ainda não consegui ver nenhum; há festas que meus amigos me convidam, mas saímos sempre tarde daqui, e assim chego quando a festa está pela metade, sem contar que temos que acordar cedo no dia seguinte e abrir o restaurante. - Django suspirou e escorou-se na parede olhando pra beira do rio em frente ao restaurante de forma desanimada. - E nem dá pra considerar aquela vez que fomos ao Bar Opinião numa Quarta-feira chegando à 2h da manhã na festa. Não havia mais o que fazer, já estava esvaziando, e a mulherada estava toda “casada”.

Django olhou para Johnny e falou:

- Meu!

- O quê? - perguntou Johnny.

- Que se foda! Vamos sair hoje. Vamos para um bar ou para uma danceteria perto do Centro, um amigo me convidou ontem, mas eu não quis dar certeza, afinal, a gente nunca sabe que horas o nosso emprego nos libera.

- É eu estou precisando mesmo sair. - Johnny esboçou um sorriso. - mas vamos aonde no Centro?

- Vamos no Bar Oito e Meio. O Marquito me convidou hoje de manhã por telefone.

- Marquito?

- É o apelido dele. – riu Django. – É que no segundo grau meus colegas e eu dizíamos que ele era parecido com o Marquito do Programa do Ratinho que passava no SBT. E uma vez fui com ele na Lima e Silva pra encontrar com a Dé, apelido da Débora, minha amiga que fazia anos que não via. Ela tinha levado uma amiga e a gente se encontrou no bar Só Comes e depois saímos de lá e fomos pro bairro Tristeza onde tinha o Live Pub. Mas a noite em dia de semana morre cedo, e no fim é como ser forçado a comer um doce pela metade, quando você começa a gostar fica sem.

 - Por mim está ótimo, moro quase do lado.

- É mesmo? Não sabia dessa, que barbada! Se a gente se der bem já termos o quartel general, haha!

- Se nos liberarmos cedo...seria uma opção interessante, nunca fui lá.

- Nem eu.

Ambos mal desconfiavam que uma série de acontecimentos estava por vir. Seria o primeiro passo para muitas histórias memoráveis.